segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Entrevista concedida a Cláudio Prisco Paraíso

Com a licença do jornalista Cláudio Prisco Paraíso, reproduzo a conversa que mantive com ele na última terça-feira.

O artigo que foi publicado semana passada foi uma sinalização da despedida?

Não, se tu leres uma série de coisas que tornei públicas através do blog (biranotes.blogspot.com) vais ver que aquelas ideias estão todas no blog. Estão de uma maneira diferente. O que o artigo fez foi simplesmente sintetizar um conjunto de ideias e uma leitura da realidade brasileira que eu venho fazendo há muito tempo. Isso não é de agora, é das minhas conferências, de artigos que já publiquei, não só na imprensa norteamericana, mas no Brasil mesmo. Há muito tempo eu venho falando isso. E não há nada de novidade. Há muitas pessoas hoje no Brasil dizendo basicamente as mesmas coisas.

Ou seja, o dinheiro está muito concentrado em Brasília...

Claro, o que acontece é isso. O Brasil não nasceu como um país. Os portugueses para aqui vieram na esteira dum processo predatório. Nunca tiveram o ânimo de permanência aqui. Por circunstâncias, porque Napoleão invadiu Portugal, trouxeram a corte pra cá. Então o Brasil passou a se constituir de fato geopoliticamente como país em que a “sociedade” estava subsumida, dentro do Estado Português. Só recentemente o Brasil começou a ter ideia do que é ter uma sociedade civil, uma sociedade independente do Estado. Por quê? Porque o Estado brasileiro sempre cooptou a “sociedade”. Agora, para fazer esse processo de cooptação, isto é, dar o emprego, montar o esquema de subsídio para empresários, patrocinar sindicatos (qual dos sindicatos no Brasil não está vinculado de alguma forma ao Estado?), sustentar entidades tais com as próprias ONGs, as quais, muitas delas são apenas outra modalidade de cartório. Para ter esse Estado hipertrofiado, precisa dinheiro. Dinheiro buscado lá fora, por empréstimo, como normalmente se fazia, ou suprido por uma situação econômica extremamente favorável como a de hoje, em que recursos vultosos entraram no país através da exportação de comodities, e juros altos que atraíram o capital especulativo internacional. Esse dinheiro, contudo, é concentrado na mão do Estado que o distribui de forma a manter cativa a maior parte da sociedade.

Tem o caso de SC e ... de recursos para os Poderes, é um equívoco?

Sim, é um equivoco. Hoje 18% da receita do Estado é para os Poderes. Os Poderes não precisam de tudo isto...

Sobra quanto para investimento?

Por volta de 4%.

Quanto seria o ideal? Dois dígitos? Dez por cento?

Não... não se trata deste ou daquele percentual. Tudo depende de qual é o objetivo ou proposta de governo. Se a proposta for a de manter o status quo, a mesma lógica de cooptação da sociedade e encastelamento de diferentes grupos políticos no aparato estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário), o investimento necessário para a prestação de serviços tais como segurança, saúde, educação, infraestrutura fica em segundo plano e, assim sendo, o volume de recursos que irá para este fim não será tão grande. Mas, se a ação de governo via Estado estiver voltada para a sociedade como um todo, voltada para melhoria dos serviços essenciais, para a atualização da infraestrutura do tipo construir uma ferrovia, ou um sistema de transporte urbano pra valer, ou penitenciárias, então, sim, é preciso muito mais do que hoje o governador dispõe. Falta no Brasil o tipo de transparência que não é resultado duma outra lei. Não se implanta transparência por lei. O governante no momento em que recebe o mandato, recebe com uma certa expectativa da população de que a vida das pessoas melhore. Para que isto aconteça, o governante tem de levar diretamente ao povo as suas bandeiras, dizer “estou com problema nessa área e não tenho recursos para fazer isso”. É necessário um contato direto com o povo. Não estou preconizando que a classe política, o Legislativo, seja marginalizado, não. O Legislativo tem o seu papel de legitimar a relação entre o povo e o mandatário do Poder Executivo. Se a sociedade deixar claro que quer isto e não aquilo, os deputados não terão outra opção a não ser atendê-la. Para ser prático: imaginem um deputado que advogue um determinado interesse, se o governador propõe algo distinto e coloca a opinião pública a seu lado, será que o deputado vai ser contra? Nunca.

No artigo também fizeste uma crítica à classe política, a questão do clientelismo, do fisiologismo.

Não só à classe política, à classe empresarial também. Já hoje no Brasil há empresas que são competitivas e não dependem do subsídio do Estado. Mas eu brinco sempre que um grande número de empresários brasileiros não deveria ser chamado de empresários, mas de comissários do Estado. Porque recebem benefícios, incentivos, são subsidiados pelo Estado no seu papel de cooptador. Minha crítica não é à classe política ou à classe empresarial. É uma crítica ao tipo de cultura que internalizamos no Brasil e que faz com que existam estes personagens privilegiados, sejam eles empresários, políticos, sindicalistas, dirigentes de movimentos como o MST, etc.

Como foi a convivência com essas figuras nesses nove meses?

Foi ótima. Eu não conhecia a maioria dos deputados de Santa Catarina e tive a melhor das impressões dum grande número deles. Percebi que é gente bem intencionada, mas que está prisioneira da lógica que referi antes. Não consegue romper essa lógica. É cultural. Não consegue romper a lógica e continua com as mesmas práticas inerentes à tal lógica. Tive uma excelente relação com a Fiesc. Tenho a melhor das impressões do ex-presidente da Fiesc que saiu recentemente. Conheço o Glauco (José Côrte) há algum tempo e tenho a melhor das impressões dele também. Veja, se pegarmos o percentual de ICMS que o Estado arrecada sobre o faturamento bruto de qualquer setor, o têxtil, por exemplo, veremos que o Estado recolhe em média algo aí um pouco acima dos 2%. Não é 7%, nem 14%, porque os benefício fiscais produzem uma enorme renúncia fiscal. Mas não há outra opção. Sem o subsídio, via política de benefícios, para as empresas de SC, corremos o risco de um desemprego em massa. As empresas ou sairiam do Estado ou fechariam. A política social do governo é feita pela política de benefícios fiscais. A renúncia fiscal esse ano é de R$ 4,2 bilhões. Nas conversas com empresários e com a classe política, nunca tentei, nem tenho essa veleidade, de mudar o vetor existencial das pessoas, a forma como elas veem o mundo e as suas circunstâncias. Sempre dou o seguinte exemplo: você pega um fumante e mostra a radiografia de pulmão, diz que se continuar fumando vai ter um câncer, assim, assim, então precisa parar de fumar. Ele pára? Não pára, porque o vetor existencial é mais forte. O fumo faz parte da sua condição existencial, faz sentido para ele. Como, pois, pretender que o mero exercício da razão seja suficiente para fazer com que as pessoas cuja existência faz sentido do jeito  que está, mudem de ponto de vista, sejam elas empresários, políticos, sindicalistas, etc. O pessoal me chama de teórico porque, por viés de formação, tento ser absolutamente racional e ver a realidade tal como ela é e não como eu gostaria que ela fosse.

O secretário da Fazenda teve a missão de fechar o cofre, de fazer economia, conter gastos...

Não, isso é um grande equívoco. Isso é desconhecimento de como funciona o Estado. Aquilo que se falou em termos de contenção de gastos não existe. Há um orçamento e este orçamento tem que ser executado. O que aconteceu? Nos primeiros quatro meses o governo suspendeu em grande parte a execução do orçamento. Porque deixou de executar? Porque o governador, com muita propriedade disse: “Eu preciso conhecer com mais profundidade o governo que herdei”. Ele herdou um orçamento. O primeiro ano do governo Raimundo Colombo foi condicionado a esta herança. Herança não só política, (e aí foi uma decisão dele aceitar a lógica do processo político tal como vinha acontecendo), mas também herança administrativa, de gestão. Não foi ele quem propôs como alocar recursos dentro do orçamento de 2011. Ele herdou o orçamento. Sobre contenção de despesas... vai conter despesas aonde? No custeio? O custeio de Santa Catarina já é o menor do Brasil. Vai reduzir o quê? Vai reduzir o número de viagens? O que isso representa dentro duns 6% de despesas de custeio? Muito pouco. Economia, na maneira como o sistema opera, e não é só em SC mas no Brasil, não é feita dessa forma. Se faz diminuindo o tamanho do Estado. Se faz criando o Estado necessário às demandas de toda a população e não só de alguns grupos.

O governador perdeu a oportunidade de extinguir as regionais e de enxugar as setoriais?

Conversei muito com ele sobre isso. Minha leitura de situação, não é a dele. Temos uma posição diferente. Eu estava lá nos Estados Unidos quando ele me ligou e convidou para participar da sua administração. Acompanhei pela internet a celeuma provocada pela indicação do meu nome para secretário da Fazenda. Ele enfrentou uma reação enorme e fechou questão. Diante disto, pensei: é o seu grito de independência, porque a Secretaria da Fazenda é emblemática, dela fluem recursos para sustentar a lógica do processo político e, por consequência, a lógica da gestão administrativa. Comecei imediatamente a fazer um diagnóstico da situação do Estado. Vim para sugerir uma certa dinâmica diferente de governo, um projeto de governo que passava pela premissa – que eu assumira como sendo aquela que prevaleceria – da independência, de romper com a atual lógica do processo político-administrativo. Aí, na primeira reunião que tivemos para discutir o assunto, ele me fez ver que não tinha condições de adotar no momento algo muito diferente da realidade que todos nós conhecemos. Ficou claro para mim que ele entendia que as condições políticas do processo exigiam outra coisa. Quando digo mudar a lógica do processo político quero dizer o seguinte: há hoje no País um processo de loteamento do Estado entre diferentes grupos políticos para que esses grupos possam ter uma alavanca institucional na defesa de seus interesses dentro do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Aliás, infelizmente esse processo de aparelhamento do Estado Brasileiro não aconteceu só no Executivo. Aconteceu no Legislativo e aconteceu no Judiciário. Percebi que o caminho não seria aquele que eu imaginara. Eu só tinha uma alternativa. Por profissão, o que eu faço é exatamente isso, em empresas, em organizações: eu mudo a lógica do sistema. A premissa é a seguinte: não está dando certo? Vamos fazer algo diferente para que possa dar certo. Esse é o meu cacoete profissional.

Esse recuo então já criou uma situação de conflito para aquilo que o amigo imaginou que estava sendo convocado.

Não criou um conflito. Criou, isto sim, um cenário diferente daquele que eu havia imaginado. Eu me perguntei: o que posso fazer? Tinha a opção de voltar para os Estados Unidos. Mas, esta era uma falsa opção. Raimundo Colombo, aos meu olhos, era antes de mais nada um amigo muito querido. E, o governador era ele. Como amigo, impunha-se ajudá-lo, embora até divergindo da lógica do processo que ele adotou, como lhe disse algumas vezes. Mas, como sempre procuro levar em conta de que não sou o dono da verdade, aceitei a possibilidade de que ele, com sua sensibilidade política, estava, quem sabe, percebendo determinadas dimensões do processo que eu, por viés profissional, estava desconsiderando. Disse-lhe, pois: já que este é o caminho que tomaste, vou procurar tirar as pedras do caminho. Foquei-me, portanto, nos problemas estruturais do Estado e comecei a buscar alternativas de solução para os mesmos.

Mas aí com resultado mais comprometido...

Com resultado comprometido se partires da premissa que era importante mudar a lógica do processo. Mas se partires da premissa que era impossível mudar a lógica, ou pelo menos, naquele momento não era possível mudar a lógica do processo, o resultado não seria comprometido. São dois cenários distintos.

É uma nova realidade...

É uma nova realidade. Já há muito tempo aprendi que, pelo fato de eu ter uma determinada visão, ainda que bem articulada e com consistência interior que me diz que aquilo ali é verdadeiro, nem por isto ela acabe prevalecendo. A vida já me derrubou tantas vezes que eu digo: olha, espera um pouquinho, acho que tem que ser por aqui, mas se for por ali... quem sabe... Neste contexto é que deve ser entendida a questão da minha brevidade... Eu tinha uma ideia de como o Estado estava. Perguntei-me: como posso dar ao governador a condição de ter mais recursos para o que ele decidir fazer? Mesmo que crescesse a receita (e a receita efetivamente cresceu), em função da forma como é repartida, no final das contas ainda estaríamos com algo em torno de 4% para novos investimentos. Quatro por cento em valores absolutos é um volume grande, mas comparado com o que se arrecadou, é pouco. Assim sendo, detive-me em tentar fazer com que a receita continuasse crescendo e que a máquina da Secretaria da Fazenda tivesse tranquilidade suficiente para poder trabalhar. Eu tinha pedido ao governador que me desse respaldo para blindar meu esforço de montar a equipe da Secretaria da Fazenda de ingerências e indicações políticas. A  Fazenda tem um bom corpo técnico. E isso foi feito. E foi importante. Contudo, não nos iludamos, na Fazenda existe o mesmo corporativismo pervasivo pelo Estado Brasileiro todo. Lá se digladiam os contadores, os fiscais, os auditores e os analistas. Em seguida, nos propusemos a não perder arrecadação. Olhei a estrutura da arrecadação e aí ficou muito claro o seguinte: o movimento econômico do setor primário de Santa Catarina não é mais de 8%. A geografia do Estado dita isso. O Planalto Serrano que poderia ser usado para a agricultura mecanizada não pode porque o teor de causticidade do solo é tão alto que exige muito calcário para correção da terra. Então ficam as pequenas propriedades. Quem soube utilizar essa configuração geosocioeconômica do Estado foram as grandes integradoras: a Perdigão que conheci bem, e a Sadia, as duas agora BRF. Elas pegaram os 30 e poucos mil pequenos proprietários e  integraram o processo produtivo destas propriedades. Mas é isso, não é muito mais do que isso. O resto é agricultura de subsistência, um pouco de fumo, cebola. O setor secundário, aquele que tradicionalmente é o orgulho de Santa Catarina, têxtil, moveleiro, cerâmico, metal-mecânico, é composto de setores que vem perdendo competitividade em função do protagonismo da Ásia. E agora? Esses setores representam 20 e poucos por cento do movimento econômico do Estado. Então onde há espaço para crescer? No setor de serviços, no setor terciário. No crescimento desses setores muitas coisas contribuíram: a conta turismo realmente cresceu, porque SC passou ser um destino importante. Com o turismo, vem o comércio. O comércio cresceu, tanto o de atacado quanto o de varejo. O setor terciário responde por cerca de 68% do movimento econômico do Estado. Mas ocorreram outras coisas: um movimento de importação brutal, incentivado pela política de benefícios do governo, (que é objeto da denúncia de guerra fiscal que se faz contra SC), fez com que importadoras passassem a utilizar intensamente os portos de SC. Essa forte movimentação portuária gera mais uso do combustível, energia, comunicação, etc. E, tudo isto permite aumento de arrecadação do ICMS. Convém lembrar que entre as principais contas do ICMS estão combustível, eletricidade, telecomunicações. Havia uma reação forte da Fiesc e de vários setores da opinião pública, no Brasil inteiro, com relação à política de benefícios na área de importação. Perguntei: quanto é que esse movimento de importação gerará em ICMS neste ano? Cerca de R$ 760 milhões. Ora, não posso abrir mão disso. Se eu apertar o torniquete, via alíquotas mais altas, corro o risco de perder arrecadação. As importadoras podem perfeitamente buscar outras plagas, com enorme facilidade. Tentei, pois, construir nos últimos 10 meses, negociando, um aumento de alíquotas realista tanto para as importações como para o Estado.

Foi feito um pacote... foi entregue ao governador?

Claro. Não foi um pacote. Foi um processo de repactuação de compromissos. Os novos protocolos foram assinados. Esse é um trabalho que eu considero extraordinário. Por que eu me preocupei com isso? Pelo que eu disse antes, porque precisava oferecer ao governador mais recursos. Não posso fazer com que a arrecadação caia, tenho que fazer com que a arrecadação aumente. Para fazer com que aumente não posso deixar de lado o fato de que um volume significativo de recursos vem de importação.Tratemos, então, de dar mais segurança jurídica às empresas que aqui se deslocarem. Por exemplo: não daremos nenhum benefício fiscal que não esteja sendo praticado por pelo menos um outro Estado. A denúncia da guerra fiscal provocada por SC é improcedente. Aqui entre nós, São Paulo, Espírito Santos, Goiás, e outros, fazem a mesma coisa que nós. Acho que conseguimos equacionar esse problema: temos uma boa perspectiva de arrecadação para o ano que vem no setor de importações, no setor terciário, que é o setor de serviços. Os outros estados não entendem a nossa ênfase no setor de serviços. Mas, não é difícil de entender. O Rio Grande do Sul e Paraná, por exemplo, podem ter uma queda no setor de manufatura, mas as commodities, tais como o trigo, a soja, a pecuária e conseguem compensar perdas no setor secundário da economia. Santa Catarina não tem este luxo. O que fizemos foi algo muito simples: tentamos responder às circunstâncias que definem a vocação socioeconômica original do Estado.

Aquela questão da Lei Kandir, não tinha expectativa de entrar recursos, ou isso nunca vai se materializar?

Não, isso nunca vai se materializar. É o governo federal que determina as remessas que são feitas para os estados. Para SC elas estão muito abaixo daquilo que nós, em tese, deveríamos estar recebendo. A política de importação e de exportação no Brasil é ditada antes de mais nada pelo governo federal. Os estados podem traçar políticas de benefícios, como o fizeram, (acho que temos hoje mais mil políticas diferentes de benefícios fiscais no Brasil). Mas, isto gera uma insegurança jurídica que dificulta a vinda de investimentos produtivos (não especulativos) para o País. Como você explica, por exemplo, aos alemães da BMW que paira sobre a política de benefícios de todos os estados dúvidas sobre sua constitucionalidade, como fez um dos nossos especialistas?

O cidadão falou?

Mas é verdade, ele não disse nada de novo. Se quiséssemos questionar juridicamente tais políticas, poderíamos levantar a tese de que tudo é inconstitucional. Estamos dizendo para o estrangeiro: eu te garanto um benefício que é inconstitucional, mas que todo mundo pratica. Esses são os paradoxos do País e Santa Catarina não é exceção. A outra questão que para mim era importante para fins de ingresso de um recurso extra, era a questão da federalização das Letras. Não entro no aspecto político disso aí, nem quero saber, quero só saber de uma coisa: o que significaria na prática em termos de receita adicional. Teríamos uns R$ 500 milhões a mais de receita.

Esse valor não entraria no compartilhamento dos Poderes?

Entra, no meu entender. Mas, há opiniões divergentes.

E na questão da Invesc?

As debêntures da Invesc é coisa completamente distinta. Não entra dinheiro no Estado. O importante é o seguinte: o valor de face das debêntures hoje é mais de R$ 3 bilhões. Quando foi feita a emissão das debêntures elas tinham o valor de US$ 100 milhões, lastreadas por 29% das ações da Celesc. Esses 29% das ações também valiam cerca de US$ 100 milhões. Cem para cem. Só que os termos dos contratos com os debenturistas (juros, correção, etc.) fizeram com que essas debêntures hoje valessem R$ 3 bilhões enquanto os 29% das ações da Celesc valem algo aí pelos R$ 400 milhões. Claro que o Estado não vai pagar, não tem condições de pagar. Mas o problema que me preocupava era o seguinte: se de fato houver uma decisão da Justiça reconhecendo no mérito o direito dos debenturistas, o Estado tem seu passivo aumentado em R$ 3 bilhões e sua capacidade de endividamento cairá. Por isso a minha pressa em resolver a questão das debêntures. O principal debenturista é a Previ. Apresentamos a Previ uma proposta transparente, de mercado. Não divulgarei a proposta por ainda não termos ouvido uma reação formal das partes interessadas. Ela foi apresentada...

A quem? Ao governador?

Não, à Previ. Claro, o governador sabia, primeiro eu conversei com ele.

E o que falta pra...

O principal debenturista é a Previ. Na minha opinião nossa proposta não prosperará, embora ela seja absolutamente cristalina, uma operação simples de mercado.

Não tem o que hoje se convenciona chamar em Brasília de pedágio?

A nossa proposta não abre espaço para tal prática. A operação é limpa, transparente. Em São Paulo, testei primeiro com os interlocutores afeitos a este tipo de operação e eles me garantiram uma boa perspectiva de sucesso. Tínhamos até alguns interessados em fazer a operação. Mas, de repente, essa operação travou. Pode ter travado por várias razões... Não sei se entre tais razões está a que mencionaste... Contudo, há duas semanas houve uma decisão da Vara Cível reconhecendo um argumento do Estado de que o fórum competente para julgar o pleito dos debenturistas não era a Vara Cível, mas a Vara da Fazenda Pública. No momento que isso aconteceu, o Estado ganhou mais alguns anos para enfrentar o assunto. Agora quem não está interessado em fazer a operação é o Estado. Fui contatado por alguns interessados na semana passada e minha resposta foi: bom, agora quem tem uma boa “mão” é o Estado. Portanto...

O que gostaria de ter feito que não foi feito?

Nada, Cláudio. Nada, nada. Olha, foram 10 meses brutais. Nunca tive um trabalho que demandasse tanta intensidade como este. Por duas razões. Primeiro porque eu estava tentando tirar as pedras do caminho escolhido pelo governador. Isto é, estava tentando ajudar o Raimundo, como amigo que sou. Mas, ao mesmo tempo, estava dividido internamente, porque achava que não era o melhor caminho. Embora respeitasse a decisão dele. Tanto assim que o estava ajudando. Porém, isso provoca uma tensão adicional, porque se está dizendo por um lado: vamos por aqui, vamos lá. Por outro lado, não pude evitar de continuar pensando: puxa vida, continuo achando que o melhor seria seguir outra trilha... Esta divisão interna é desgastante.

Gera frustração?

Não.  Frustração ocorre quando a gente acha que é capaz de controlar as circunstâncias em que se vive no momento. Nunca conseguiremos isto. Vamos nos frustrar sempre, se assim pensarmos e agirmos. A vida não se controla. Se vive em resposta ao nosso aqui e agora. Foi o que tentei fazer. O valor amizade pra mim pesa mais do que qualquer outra coisa. Exercícios intelectuais e dúvidas não contavam. Não era um exercício... Era, pô, o Raimundo precisa da minha ajuda e eu vou ajudar.

Houve desapontamento em relação a alguém? Ou a alguma circunstância?

Sim. Alguns... Se me permites, vou olhar primeiro a face positiva da moeda. Encontrei pessoas de primeiríssimo nível aqui em Santa Catarina. Independentemente do juízo que eventualmente o público faça sobre elas, eu com elas convivi e delas tive a melhor das impressões. E gente jovem. Vou dar exemplos, o presidente da Assembleia, Gelson Merísio. Eu já o conhecia, mas fiquei muito bem impressionado com sua incisiva coragem. Pelo que dele conheço, Gelson tem uma idéia clara do que é o interesse público. Isso é uma boa. O sujeito é um político, é o presidente da Assembleia e, de repente, se atreve a tomar determinadas decisões que contrariam a lógica do processo político. Decisões contraculturais. Outro elemento jovem que me impressionou pela capacidade de gestão, talvez até um pouco jovem demais para as atribuições e responsabilidades que recebeu, é o Gavazzoni. Outra pessoa que foi um auxiliar inestimável a quem passei a querer bem, é o Alexandre Fernandes. Sobre o Alexandre se dizem muitas coisas. Eu que trabalhei com ele, jamais encontrei nele uma postura que não fosse a de perseguir o melhor interesse de Santa Catarina. Ele foi instrumental em várias dimensões do processo de gestão que conduzi na Secretaria da Fazenda, embora estivesse na Secretaria de Assuntos Internacionais. Contei sempre com sua enorme generosidade e boa vontade... Há certamente outras pessoas de quem não lembro no momento e que me impressionaram muito. Mas, voltando a tua pergunta, embora não devesse ter nenhuma expectativa quanto à condição humana, que é o que é, há pessoas dentro do próprio secretariado que me mostraram estarem mais comprometidas com suas agendas do que com a agenda do governo.

Deseja nominá-los?

Não. Há pessoas que são assim. Tu mesmo presenciaste um evento... esse tipo de pessoa. Agora, em compensação, dentro do colegiado tem pessoas como o próprio Serpa...

Eu ia lhe perguntar sobre a escolha...

Eu fiquei encantado com a escolha. Nelson é um homem íntegro, de hábitos espartanos. Seu sucessor na Procuradoria, o doutor João Martins, é outra pessoa extraordinária. O Raimundo vai estar muito bem servido, não tenhas dúvidas. Quem eu conheço há muito tempo e que demonstrou nesses 10 meses um amadurecimento, uma consistência que antes eu não tinha percebido, é o Paulo Roberto Bornhausen. Ele está fazendo uma gestão primorosa. E o Paulo carrega um fardo: o nome Bornhausen não é um ativo, é um passivo. Justa ou injustamente, é um passivo, não é verdade? Ganhei um amigo precioso na pessoa do Derly (Massaud da Anunciação). Sua praticidade e perspicácia me ajudaram muito. Então, puxa vida, tem gente de primeiríssimo nível ao lado do Raimundo. Agora tem outros que chegam pra você e dizem: é, pois é, o orçamento do ano que vem foi cortado, eu preciso três vezes o valor que me foi alocado. (Risos) Aí o que tu podes responder, né?

Qual a opinião de Ubiratan Rezende sobre Raimundo Colombo? Mudou? Piorou ou melhorou?

Permanece a mesma. O Raimundo é uma pessoa boa, uma pessoa íntegra, que busca sempre pacificar e acomodar os interesses. Isso são virtudes extraordinárias. As pessoas acham que eu tenho relacionamento com ele de muitos anos, não tenho, não. É de pouco tempo. E, nesses poucos anos, eu jamais recebi do Raimundo nada além da maior consideração e demonstrações do maior apreço. Sou grato a Deus por ter me dado um amigo. Porque a amizade é coisa que se recebe, não se conquista, nem se constrói. Então receber uma amizade tão especial e tão particular como essa que o Raimundo teve a generosidade de me oferecer é um presente extraordinário. Espero ter reciprocado. Então, não mudou absolutamente nada, nenhuma vírgula, ele é quem ele é.

E qual a grande contribuição desse período de 10 meses?

Tu dizes do governo em geral?

Do seu papel no governo, qual foi a grande contribuição?

Olha, Cláudio, tem essas coisas que falei, acho que a política de benefícios foi uma coisa muito importante, ter oferecido ao governador o argumento necessário para que, se quiser politicamente, encaminhe a questão das Letras também foi um trabalho importante. Eu acho que o fato do Estado ter sinalizado e ter conseguido em nível de opinião pública no Brasil sair daquela situação de ser um alvo obsessivo das críticas quanto à guerra fiscal foi também muito bom. Termos oferecido aos debenturistas da Invesc uma proposta limpa, onde todos sairão ganhando, inclusive o Estado, é algo que me deu satisfação, mesmo que ela venha a não se concretizar. Afinal, nós fizemos o trabalho, demonstramos o que queríamos fazer. Agora, tem uma coisa que é um pouco técnica e eu não vou entrar em detalhe, mas o grande público vai ter uma ideia mais tarde de quão importante foi essa conquista de obter do Confaz uma autorização, quer dizer, um convênio que permitisse ao Estado usar até 5% da sua receita como crédito outorgado ou crédito presumido, para fins de investimento em infraestrutura. Isso é muito importante e será provavelmente um marco do atual governo. Não quero com isto criar muita expectativa porque tudo vai depender da operacionalização. Não gostaria de criar uma expectativa indevida. As pré-condições para que o governo tenha um instrumento diferenciado para tornar a gestão do Raimundo emblemática, isso está no lugar. Considero a maior conquista da minha gestão. Tanto é que ao meio dia e 45 de sexta-feira, quando concluímos, quando conseguimos a aprovação, eu imediatamente pedi ao Raimundo que nos encontrássemos. Ele foi a minha casa às três horas da tarde quando, então, eu pude lhe dizer: amigo, meu dever está cumprido. O Raimundo foi extraordinário neste processo de aprovação do Confaz. A alavancagem política que o governador pode exercer em processos desse tipo é fundamental. E ele liderou as negociações com o governador de São Paulo e os demais.

Pra fechar, o que o governador Raimundo Colombo vai ter que fazer daqui pra frente pra se viabilizar, para que possa pavimentar o caminho para o projeto dele...

Deixa eu dizer uma coisa que as pessoas poderiam não acreditar, mas talvez elas acreditem já que não sou partis pris nessa história: o Raimundo não pensa em termos de reeleição. Ele não está pensando em “como é que eu governo para me reeleger”. Ele é uma pessoa tão íntegra e a vontade de acertar dele é tão grande que a questão que ele se propõe é simplesmente esta: “O que eu posso fazer para acertar agora?” O que vai acontecer em termos de seu futuro político não é uma questão para ele, assim creio eu. Ele precisa que os teus leitores e o público em geral tenham um pouco mais de paciência. O estilo do governador é este: é o estilo de tentar trazer para suas decisões o maior número possível de atores, de fazer os compromissos e acertos. Isso faz com que o governo talvez ande num ritmo mais lento do que a sociedade espera.

Dá para qualificar esse ritmo de cadenciado?
Dá. O ritmo é pessedismo (risos)... É pessedismo histórico, não é verdade? E aqui entre nós, foi bem sucedido em muitas ocasiões, vide-se Juscelino Kubitschek, por exemplo.

Retorna aos Estados Unidos?

Retorno, segunda-feira, se Deus quiser.

Em definitivo?

Ah, em definitivo, sim. Raimundo pediu ainda que eu viesse ajudá-lo... Readquiro agora o papel em que me sinto mais confortável e que, acredito eu, ele também se sente muito confortável em relação a mim, que é o papel de alguém que o aconselha, como sempre exerci. Então aí, as questões do dia-a-dia que atrapalham o diálogo mais profundo, podem ficar entre parênteses e a gente pode conversar com mais liberdade.

E mesmo distante, hoje com o mundo globalizado...

Ih, ele esteve várias vezes lá em casa. Hoje mesmo ele me disse: “Vou lá te visitar de novo”. Eu disse, claro, vai lá quando quiseres. E pediu que eu voltasse em janeiro para ficar um par de dias aqui para conversar com ele.

Essa relação então não vai sofrer solução de continuidade...

De jeito nenhum, ao contrário, Cláudio, ela foi, se é que se pode dizer assim, foi consolidada. Poxa, o que passamos juntos nesses 10 meses, foram meses difíceis e muito mais difíceis pra ele do que pra mim.

Reassume as atividades acadêmicas...

Não, eu vou ter que esperar, a Universidade me perguntou se eu me disporia a dar aulas em janeiro. Mas, nos Estados Unidos (por isso, o pessoal acha estranha essa questão da brevidade nas minhas missões) tu tens um conjunto de tarefas a cumprir e serás avaliado pela tua competência em cumpri-las. Parte desta competência é a rapidez e segurança em completar as tarefas que compõem tua missão. Quando vim pra cá, pedi demissão da Universidade. A Universidade tem um orçamento e lá o orçamento não é uma peça de ficção. Não havia recursos para me recontratar este ano. Negociei com eles que a partir de janeiro volto a dar as aulas normalmente por um salário só simbólico, mas que permita à Universidade, do ponto de vista legal, me incluir no seu plano de saúde. O que é para mim e para a Niki, minha mulher, fundamental. Darei aulas até agosto do ano que vem, porque o ano fiscal lá termina nessa época. Então o orçamento estará refeito e se eles decidirem me reconduzir a condição de professor titular de Gestão e Política Comparada, eu volto às minhas aulas normais.

Mais alguma coisa que o amigo gostaria de comentar?

Não, só fico satisfeito de poder ter, de alguma maneira, reparado a surpresa que eu te fiz na época do Esperidião.

2 comentários:

  1. Nota dez sua visão sobre nosso estado e suas alternativas poderia render muito mais se as estimativas fossem levadas ao pé da letra !!!
    Sou Engenheiro Agrônomo a 8 anos estou formado também tenho o governador como um amigo e o admiro porém os rumos do setor agropecuário de SC precisam ser levados mais a sério especialmente quando se fala em agricultores familiares, assistência técnica , subsídios sem burocracia e preservação com manejo sustentável !!!
    Abraços
    Vinicius Brown
    Crea 067141-4

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  2. Após ler esta entrevista, do início ao fim, fico imaginando como deve ser um curso inteiro com você como professor! Pena que alguns dos alunos não queiram seguir os conselhos do mestre.

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